Hipótese de Incidência Tributária
1. Regra
Matriz de Incidência Tributária
A regra-matriz de incidência tributária -ou RMIT -
é uma norma jurídica geral e abstrata que prevê um fato social e liga a ele uma
consequência. A regra-matriz têm em sua estrutura os elementos antecedente e
consequente, sendo que lhes cabem respectivamente os critérios: material,
temporal e espacial, e, o pessoal e o quantitativo, de acordo com a
classificação sugerida por Carvalho[1].
Na RMIT a hipótese é quem descreve a norma,
anunciando os critérios para o reconhecimento de um fato. Já o consequente
fornece os dados para a identificação do vínculo jurídico. Com este conhecido é
possível identificar os sujeitos da relação obrigacional. O consequente
normativo identifica a própria relação jurídica, a partir da concretização do
fato ou evento[2].
2.
Hipótese de Incidência
A hipótese de incidência tributária
nada mais é que uma descrição hipotética de uma ocorrência fática (ação ou
estado) atribuível a um sujeito (ou classe de sujeitos) em suas relações. Na
hipótese de incidência normativa, o legislador estabelece as características
necessárias que os eventos sociais devem ostentar, a fim de serem vertidos em
fatos jurídicos e produzirem efeitos.
Podemos afirmar que a função da
hipótese normativa é descrever as características dos eventos da vida social,
atribuindo-lhes conceitos conotativos que, se ocorridos, nos exatos termos como
descritos (princípio da reserva legal), serão hábeis à produção da linguagem
jurídica: fatos e efeitos jurídicos.
Neste mesmo sentido, procurando pela
melhor didática, Geraldo Ataliba[3]
indica a lição de Perez de Ayala, tributarista espanhol, para quem “a definição
por uma lei de certos supostos de fato a cuja hipotética e possível realização
a lei atribua determinados efeitos jurídicos (obrigação de pagar tributo),
convertendo-os assim, numa classe de fato jurídicos (fato imponível). A
realização desse fato jurídico, o fato imponível, que origina a obrigação de
pagar o tributo.”
Ocorre que todo fenômeno ou evento se
materializa em um dado espaço físico e em certo lapso temporal. Espaço e tempo
são verdadeiras coordenadas que nos permitem certificar a ocorrência de
qualquer evento. Desta forma, a hipótese de incidência tributária se relaciona
com a RMIT, assumindo o papel de antecedente.
3.
Incidência Tributária
Incidência tributária é a subsunção do
fato à norma jurídica. É a ocorrência de todos os elementos prescritos na norma
geral e abstrata que faz irradiar os efeitos jurídicos previstos na
consequência.
Nas palavras do professor Paulo de
Barros Carvalho[4]:
“O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a
fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estrito, ou regra
matriz de incidência tributária. Neste caso diremos que houve subsunção, quando
o fato, (fato jurídico tributário constituído pela linguagem prescrita pelo
direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da
hipótese (hipótese tributária).
(...)
A devida compreensão da fenomenologia tributária tem o
caráter de ato fundamental para o conhecimento jurídico, posto que assim atuam
todas as regras de direito em qualquer de seus subdomínios, ao serem aplicados
no contexto da comunidade social. Seja qual for a natureza do preceito
jurídica, sua atuação dinâmica é a mesma: opera-se a concreção do fato previsto
na hipótese prolatando-se os efeitos jurídicos previstos na consequência. Mas
esse quadramento do fato à hipótese normativa tem que ser completo, para que se
dê, verdadeiramente a subsunção.”
Há quem entenda que a incidência
tributária é automática e infalível, ou seja, uma vez ocorrido o evento, ocorre
o fenômeno da incidência. Desta forma, o momento da aplicação do direito
poderia ser diverso e inclusive posterior à incidência tributária.
Particularmente, me filio ao pensamento
do Prof. Paulo que entende pela incidência como um fenômeno somente
consubstanciado com a formação do fato jurídico tributário. Inicialmente
ocorreria o evento, depois o fato e somente então, o fato jurídico tributário
(que seria o relato linguístico por autoridade através da linguagem
competente). Somente neste momento, ocorreria a incidência tributária que,
portanto, não é automática e infalível. Assim, seguindo esse raciocínio, ela
seria então concomitante à aplicação do direito.
4. Evento, fato e fato
jurídico
Ao tratar do assunto evento, o Prof.
Paulo de Barros Carvalho parte de uma distinção feita por Habermas entre fatos
e objetos da experiência (eventos). Os fatos seriam os enunciados linguísticos
sobre as coisas e os acontecimentos, sobre as pessoas e suas manifestações. Os
objetos da experiência são aquilo acerca do que fazemos afirmações, aquilo
sobre o que emitimos enunciados[5].
Exemplificando o que entende por fato, reproduz[6]
lição de Tércio Sampaio Feraz Júnior, vazada nos seguintes termos: "É
preciso distinguir entre fato e evento. A travessia do Rubicão por César é um
evento. Todavia, ´César atravessou o Rubicão´ é um fato. Quando, pois, dizemos
que é um fato que César atravessou o Rubicão´, conferimos realidade ao evento.
Fato não é, pois, algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de
organizar uma situação existencial como realidade"[7].
Contudo, Carvalho adverte que não é
qualquer linguagem que dá facticidade jurídica ao evento. Não basta a linguagem
social para transformar um evento em fato jurídico. Para ele, "fatos
jurídicos não são simplesmente os fatos do mundo social, constituídos pela
linguagem de que nos servimos no dia a dia. Antes, são enunciados proferidos na
linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a
teoria das provas"[8].
Cabe ressaltar, não basta ao evento ter suas notas relevantes previstas no
antecedente de uma norma jurídica para se tornar fato jurídico. Necessário,
para ganhar significação jurídica, que o evento seja relatado em linguagem
competente, assoalhada em provas admitidas pelo ordenamento. Pouco importa se o
evento é relatado pela sociedade, ou por diversas pessoas. Apenas ganharia ele
a estatura de fato jurídico, após a sua enunciação por um sujeito a quem o
direito outorgasse essa competência. Essa a razão pela qual, para a teoria
carvalhiana, fato jurídico será tomado como um enunciado protocolar,
denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e
concreta, num determinado ponto do processo de positivação do direito[9].
5. A expressão fato
gerador e algumas disposições legais
Ora, se tratamos claramente evento e
fato como sendo situações distintas, ao utilizarmos o vocábulo “fato gerador”
aludimos realidades distintas em um só tempo: a) a descrição legislativa do
fato que faz nascer a relação jurídica tributária; e b) o próprio acontecimento
relatado no antecedente da norma individual e concreta do ato de aplicação.
Essa linha de pensamento é defendida
tanto por Paulo de Barros quanto por alguns de seus inspiradores, como Amilcar
Araújo Falcão, Alfredo Augusto Becker, Geraldo Ataliba e Norberto Bobbio[10].
Adiante analisar-se-á individualmente
os citados artigos do CTN.
“Art.
4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da
respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:”
Utilizado no sentido de fato jurídico
tributário, ou seja, determina que a natureza jurídica do tributo será definida
por sua regra geral e abstrata, qual seja: circular mercadorias, auferir renda,
prestar serviços, etc.
Art.
16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao
contribuinte.
Utilizada no sentido de evento, ou
seja, é imposto o tributo cuja destinação não seja específica. Assim o fato
jurídico tributário, como definido por Paulo de Barros não é essencial para sua
definição, mas o contexto em que ele foi instituído sim.
Art.
105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores
futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido
início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.
Utilizada no sentido de fato jurídico
tributário. Contudo, segundo uma visão mais formalista do Direito, não poderia
ser realizada a aplicação retroativa aos fatos geradores pendentes, pois além
do fato não reunirem circunstâncias materiais suficientes para caracterizar sua
situação de fato nem sendo constituído como determinação do dispositivo legal,
existem fatos já consumados. Portanto a aplicação retroativa além de ferir um
princípio constitucional, implica no “comprometimento da segurança jurídica”.
Outrossim, este artigo do CTN não foi recepcionado pela CF 88, Luciano Amaro[11]
diz que “uma vez iniciado esse fato, a lei tributária a ele aplicável há de ser
a que já estava em vigor antes de seu início. Aplicar ao fato já iniciado lei
que só depois entrou em vigor é fazer aplicação retroativa, com evidente
violação do disposto no art. 150, inc. III, a, da Constituição Federal de
1988”.
Art.
113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§
1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto
o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente.
Art.
114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como
necessária e suficiente à sua ocorrência.
Ambos são utilizados no sentido de fato
jurídico tributário, deixando clara a necessidade de os enunciados estarem
proferidos na linguagem competente do direito positivo.
Art.
144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação
e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou
revogada.
Utilizado no sentido de fato jurídico
tributário, pois determina que o tributo seja apurado de acordo com a
legislação vigente a data do fato gerador da obrigação tributária.
No AREsp
215273 o vocábulo também foi utilizado no sentido de fato jurídico
tributário, incluído na regra matriz de incidência pelo critério material.
6.
A data do fato jurídico tributário e data no fato jurídico tributário e os erros de fato
e de direito
A data no fato refere-se à
ocorrência do evento no mundo fenomênico e a data do fato com a ocorrência
do fato jurídico tributário propriamente dito.
No Resp. 215273 o STJ entendeu
que o fato gerador do tributo ocorre na data “no fato”, ou seja, com o registro
da exportação no Siscomex e não com obtenção do registro de venda (evento). Não
há como afirmar que o momento correto seria o embarque da mercadoria no
exterior uma vez que esta hipótese não corresponde nem ao evento nem ao fato,
portanto está completamente fora do mundo do direito, sob este contexto.
Erro de fato é relativo às provas, as quais,
analisadas com mais cuidado, apontam para nova situação jurídica, que não
aquela que foi relatada na norma individual e concreta. Um engano com relação
aos recursos de linguagem utilizados para a produção do fato jurídico
tributário – quando da releitura dos enunciados probatórios, verifica-se uma
nova situação jurídica, diferente daquela descrita pelo fato jurídico.
Erro de direito é relativo à delimitação da
norma geral e abstrata a ser aplicada ao caso concreto. Há um desajuste entre a
construção da norma individual e concreta e o que prescreve (ou deveria
prescrever – se não fosse o erro) a norma geral e abstrata (RMIT).
[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
Direito Tributário. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 236.
[2] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso
de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 917.
[3] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
Incidência Tributária. 3ª. ed. – São Paulo: RT, 1984, 189p.
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
Direito Tributário. . 17ª ed. – São Paulo: RT, 2005, 251p.
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998.
p.85.
[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005. P. 358.
[7] FERRAZ JUNIO, Tércio Sampaio.
Introdução ao estudo do direito - técnica, decisão, dominação. 4ª ed. São
Paulo: Atlas, 2003. p.274.
[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005. P. 362.
[11] AMARO,
Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12 ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2006.
P. 120 e 121.
Assunto muito interessante e de muita utilidade e proveito para quem quer se especializar em direito tributário, parabéns pela publicação.
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