Rateio de Despesas Corporativas | Grupo Econômico | IRPJ/CSLL | PIS/COFINS | Análise de Casos


1. DOS CONTRATOS DE COMPARTILHAMENTO DE DESPESAS

Luciana Rosanova Galhardo[1], dispõe que os contratos de compartilhamento de custos e despesas são contratos celebrados entre empresas com o objetivo de ratear ou alocar custos ou despesas incorridas por uma delas para as demais, uma vez que referidos custos ou despesas acabam por beneficiar todas as empresas envolvidas na produção de bens, serviços ou direitos.

De forma geral, a empresa centralizadora incorre em gastos ou realiza despesas em proveito de todas ou de parte das demais sociedades integrantes do grupo.

Em sendo assim, a finalidade desses acordos consiste em determinar precisamente o modo e em que medida estas últimas sociedades devem colaborar ou participar nos custos e despesas incorridas pela primeira no interesse daquelas, ressarcindo-a sob a forma de reembolso ou pagamento.



2. DOS ASPECTOS TRIBUTÁRIOS RELACIONADOS AO COMPARTILHAMENTO DE DESPESAS

2.1. IMPOSTO SOBRE A RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO


Em se tratando dos aspectos relacionados ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), como se sabe, para as empresas optantes pelo regime de tributação com base no lucro real, o lucro líquido do exercício, ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação, corresponde à sua base de cálculo, logo, o compartilhamento de custos e despesas produz impacto direto da apuração destes tributos.

Considerando, no caso, que o reembolso destes valores será feito por seu custo, sem acréscimo de qualquer margem de lucro, tem-se que o recebimento destes valores terá apenas o efeito de “neutralizar” as despesas ou custos anteriormente registrados pela empresa centralizadora, não implicando no aumento da sua carga tributária.

As empresas que pagarão estes valores, todavia, apenas poderão deduzir estes montantes na determinação do lucro real se comprovarem a obediência aos requisitos previstos na legislação, ou seja, necessidade e usualidade. Deve-se evidenciar, assim, que tais gastos não decorrem de mera liberalidade da sociedade centralizadora e que as despesas são usuais em relação às suas atividades. O não atendimento destes requisitos impedirá a pessoa jurídica tomadora dos serviços de deduzir tais gastos na apuração do lucro real.

2.2.1. POSICIONAMENTO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

Nessa linha, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem exigido o preenchimento de alguns requisitos para considerar dedutíveis os gastos realizados mediante “rateio de despesas”, a teor da Solução de Consulta COSIT nº 23/2013:

a) comprovadamente corresponderem a bens e serviços efetivamente pagos e recebidos;

b) forem necessárias, usuais e normais nas atividades das empresas;

c) o rateio se der mediante critérios razoáveis e objetivos, previamente ajustados, devidamente formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes;

d) o critério de rateio for consistente com o efetivo gasto de cada empresa e com o preço global pago pelos bens e serviços, em observância aos princípios gerais de Contabilidade;

e) a empresa centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços apropriar como despesa tão-somente a parcela que lhe couber segundo o critério de rateio.”

Deverão, ainda, estar disponíveis os documentos societários que comprovem o vínculo entre as empresas envolvidas, controles gerenciais que evidenciem a despesa relativa a cada empresa, os documentos que demonstrem a efetivação do reembolso (depósito bancário, por exemplo), além das notas de débito emitidas pela empresa que recebe o reembolso.

2.2.2. DA ANÁLISE DE CASOS JULGADOS

Apesar da manifestação recente da RFB, resta claro que alguns conceitos são bastantes subjetivos, como o que é razoável e objetivos, sendo assim, adiante, analisaremos detalhadamente alguns julgados administrativos sobre o tema.

2.2.2.1. Caso Grupo André Maggi

Trata-se do Acórdão de 1ª Seção do CARF nº 1401001.607 de 05/2016, com a seguinte ementa:

“ASSESSORIA E CONSULTORIA. EMPRESAS DO MESMO GRUPO. RATEIO DE DESPESAS.
 As despesas de assessoria e consultoria prestadas a empresas de um mesmo grupo devem ser rateadas mediante o benefício que cada uma obtenha, sendo irrelevante contrato particular entre tais empresas que determine como se dará o pagamento, principalmente se eivado de inconsistências como aconteceu no caso concreto.”

Preliminarmente, se extrai que o Contribuinte apresentou Contrato de Rateio, mas que o mesmo foi desconsiderado tanto pela RFB, quanto pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Ocorre, que o Contrato definiu como critério para o rateio o “faturamento”, todavia, a fiscalização constatou em auditoria, que algumas empresas beneficiadas pelas despesas ora compartilhadas, encontravam-se em estágio pré-operacional, sendo assim, não possuíam receitas, consequentemente, sua participação no rateio foi nula.

Nos parece que o critério “faturamento” se enquadra perfeitamente no quesito “objetividade”, contudo, para o caso concreto, ele não se mostra “razoável”, uma vez que os benefícios atrelados as despesas compartilhadas eram vistos com clareza nas empresas pré-operacionais pertencentes ao mesmo grupo.

Tendo em vista o impasse e não tendo outro critério disponível, a RFB utilizou-se do critério “quantidade de empresas” para recalcular o rateio e apurar os tributos.

2.2.2.2. Caso Grupo AON

Trata-se do Acórdão de 1ª Seção do CARF nº 1103001.044 de 05/2014, com a seguinte ementa:

“COMPARTILHAMENTO DE CUSTOS. GLOSA. COMPROVAÇÃONo convênio de compartilhamento de bens, uma das entidades que possui a estrutura material e/ou de bens imateriais permite que outra(s) também se utilize(m) de tal estrutura, evitando-­se sua duplicidade. Por isso não há responsabilidade civil pela execução de atividades: não há prestação de serviços, nem preço. Os critérios para o rateio dos custos podem se dar por meio da imputação direta ou indireta de custos, ou pela combinação de ambos, segundo metodologia técnica. Pelo motivo da glosa, dois aspectos teriam de ser observados e comprovados pela recorrente. A justificação técnica dos critérios de rateio dos custos. Documentação, ainda que por amostragem, demonstrativa ou comprobatória da aplicação dos critérios de rateio justificados. Nada disso há nos autos. Glosa de custos mantida.”

No presente caso, a autuada compartilhou despesas tendo como critério de rateio um percentual fixo, o qual foi objeto de questionamento por parte da RFB, esta aduz que a empresa centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços deve apropriar como despesa tão-somente a parcela que lhe couber, sendo que o critério fixo, sem motivo comprovado, não traz sentido a operação.

Outra argumentação foi a falta de comprovação financeira das notas de débitos emitidas em razão do rateio.

Com relação ao percentual fixo, o CARF divergiu, contudo, o voto vencedor não o considerou um problema, manteve a glosa devido à falta de comprovação financeira, requisito indispensável a dedutibilidade.

2.2.2.3. Caso Grupo Itaú

Trata-se do Acórdão de 1ª Seção do CARF nº 9101­001.878 de 04/2014, com a seguinte ementa:

"IRPJ ­ RATEIO DE CUSTOS ­ DESPESAS COMUNS A EMPRESAS DE UM MESMOGRUPO ECONÔMICOCabe ao sujeito passivo, devidamente intimado, demonstrar a regularidade do procedimento que adotou concernente ao rateio de custos entre empresas interligada. Não logrando fazê­lo, correto o Fisco em utilizar o rateio indireto com base no faturamento.”

Neste caso o contribuinte utilizou-se do método de rateio direto, chamando-o de custo efetivo, contudo, não apresentou durante o curso da fiscalização planilhas de cálculo que suportassem os percentuais aplicados, ao contrário buscou equalizar a situação quanto a jurisprudência relativa a ônus “probandi”.

O CARF foi categórico ao afirmar que a jurisprudência citada quanto a ônus "probandi" não se aplica ao presente caso, pois somente seria aplicável se a empresa tivesse apresentado as planilhas de compartilhamento dos custos e se isso fosse possível de aferição, para glosar qualquer dos itens componentes deveria verbalizar a motivação e comprovar a infração dentro das normas legais que regem os custos e despesas.

Afirmou ainda, que não se tratava de entender os critérios adotados como base do rateio, pois sem as planilhas previstas no convênio não havia possibilidade de auditagem.

O Tribunal reconheceu que é preferível o custo efetivo ao custo estimado ou arbitrado com base em outros critérios, porém no caso de custo efetivo é imprescindível a possibilidade de aferição por parte da fiscalização tributária.

Tendo em vista que os critérios utilizados não foram aceitos, a RFB utilizou-se do critério “faturamento” para recalcular o rateio e apurar os tributos.

2.2.3. DAS PREMISSAS A SEREM OBSERVADAS, CONSIDERANDO LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA

Tendo em vista o posicionamento atual da RFB, levando em consideração ainda, um apanhado de julgados administrativos, entendemos que a observância de algumas premissas é decisória para a análise dos riscos fiscais envolvidos nos contratos de compartilhamento de despesas, são elas:


1) Na escolha dos critérios:

a) Razoabilidade;

b) Objetividade; e

c) Possibilidade de aferição por terceiros independentes.


2) Nos cuidados com o formalismo:

1) Elaboração, por terceiro, de Laudo previamente ajustado;

b) Comprovação das datas presentes no Laudo; e

c) Comprovação das transações financeiras.


Razoabilidade, tem muito a ver com coerência, no “Caso Grupo André Maggi” percebe-se que este foi o ponto que culminou com a glosa e sua manutenção no CARF.

Objetividade, faz bastante sentido quando analisamos o método utilizado, como o próprio CARF admitiu, é preferível a escolha pelo método direto, contudo, o que nos parece é que sua comprovação apresenta um enorme nível de dificuldade e, de certa forma, se distancia do conceito de objetividade

Neste sentido, a escolha pelo método indireto, determinando como critério linhas do balanço contábil, por exemplo, demonstra objetividade e possibilita a aferição por terceiro independente, restando apenas o conceito de razoabilidade a ser questionado em uma eventual fiscalização.

2.2. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE O FATURAMENTO

Em se tratando das contribuições aos Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), de acordo com as Leis 10.637/02 e 10.833/03, sabe-se que a base de cálculo destes tributos é a receita auferida pelas pessoas jurídicas.

Uma interpretação mais apressada poderia nos levar a concluir que, diante da legislação em vigor, o reembolso integra a base de cálculo do PIS/Cofins não cumulativos. Entretanto, deve-se atentar que receita é disponibilidade de novo recurso, proveniente de fonte externa pelo exercício de atividade econômica.

Por isso, a recuperação de custos ou despesas, por se constituir em mera recomposição do patrimônio anteriormente desfalcado, não caracteriza riqueza nova, nem pode ser considerada como proveniente de remuneração de esforço, direito ou atividade.

Neste sentido, a RFB se manifestou através da Solução de Consulta COSIT nº 23/2013:

“Relativamente à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins, observadas as exigências estabelecidas no item anterior para regularidade do rateio de dispêndios em estudo:

a) os valores auferidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhadas como reembolso das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico pelo pagamento dos dispêndios comuns não integram a base de cálculo das contribuições em lume apurada pela pessoa jurídica centralizadora;

b) a apuração de eventuais créditos da não cumulatividade das mencionadas contribuições deve ser efetuada individualizadamente em cada pessoa jurídica integrante do grupo econômico, com base na parcela do rateio de dispêndios que lhe foi imputada;

c) o rateio de dispêndios comuns deve discriminar os itens integrantes da parcela imputada a cada pessoa jurídica integrante do grupo econômico para permitir a identificação dos itens de dispêndio que geram para a pessoa jurídica que os suporta direito de creditamento, nos termos da legislação correlata.”


[1] GALHARDO, Luciana Rosanova. Rateio de Despesas no Direito Tributário. 1ª Ed. São Paulo. Editora Quartier Latin, 2004.

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