A relevância da destinação do produto da arrecadação tributária para a classificação jurídica dos tributos

O art. 4º do CTN[1] estabelece que a natureza jurídica específica do tributo seja determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação, a denominação e as demais características formais adotadas pela lei.

Contudo, para entender a validade deste dispositivo, é necessário adentrar na problemática da classificação dos tributos. Alguns autores adotam uma única variável como elemento de classificação, enquanto outros optam por utilizar mais de uma variável.

As principais correntes doutrinárias classificam os tributos em: a) dualista, bipartida ou bipartite (impostos e taxas); b) tripartida, tricotômica ou tripartite (impostos, taxas e contribuições de melhoria); c) quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite (impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios) e d) pentapartida ou quinquipartida (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais)[2].

Se faz necessário notar que o Código Tributário Nacional adotou a posição da teoria tripartite, enquadrando os tributos de acordo com a tipologia do art. 5º, em impostos, taxas e contribuição de melhoria, como reflexo do entendimento predominante e seguido pelo legislador à época.

Ocorre que, a apreciação unicamente do fato gerador, não é suficiente para definição dos diferentes regimes jurídicos a que cada espécie de tributo está sujeita a partir da Constituição Federal de 1988, que além das espécies contidas no art. 5º do CTN traz as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios.

Assim, a partir da Constituição de 1988 a teoria pentapartida se revela mais coerente. Nesta senda, o STF, no julgamento do RE n. 146.733-9/SP (Pleno), em voto condutor proferido pelo Ministro Moreira Alves, deciciu:
       
“EMENTA: (...) De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.”

Fica evidente a superação do critério legal, já que os demais elementos da relação jurídica tributária também possuem relevância na identificação das espécies tributárias, como a base de cálculo e a destinação legal do produto da arrecadação, com o advento da CF/88.

Acerca das razões do legislador para excluir a destinação legal, como critério de classificação, ensina Leandro Paulsen:

“Por certo que já houve tempo em que os próprios impostos eram identificados pela destinação do seu produto, o que se vê do Decreto-Lei nº 1.804/39, e que o CTN procurou limpar a matéria do que os tributaristas consideravam, na época, questões de Direito Financeiro. Assim, destacou que a espécie tributária seria definida pela análise do fato gerador (se não-vinculado à atividade estatal, imposto; se vinculado a serviço ou exercício do poder de polícia, taxa; se vinculado à obra pública, contribuição de melhoria), vendando a consideração da destinação legal”.[3]

A pretensão estabelecida no critério legal de afastar a referência sobre a destinação do produto da arrecadação, contudo, não permite a adequada delimitação do regime jurídico das prestações pecuniárias atinentes aos empréstimos compulsórios e contribuições especiais, na tipologia do art. 5º do CTN.

Portanto, o art. 4º, inciso II, do CTN trata-se de norma revogada pela Constituição Federal de 1988, que inseriu e disciplinou os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais no capítulo destinado Sistema Tributário Nacional, por meio dos artigos. 148, 149 e 149-A, não prevalecendo o entendimento que rejeita a destinação legal para a identificação das espécies tributárias.

Com relação a efetiva destinação da receita arrecadada, a Constituição autoriza que sejam criadas contribuições para que a União, mediante a aplicação destas, atue na área social, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categoria profissional ou econômica. A instituição e a arrecadação de valores a título de contribuições funcionam como meio para atingir as finalidades prescritas no art. 149, caput, do Texto Maior.

Conforme ensina Fabiana Del Padre Tomé: “Isso, por si só, já levaria à conclusão de que as contribuições não são um fim em si mesmas. Não basta sua instituição e arrecadação para que se tenha a observância dos requisitos constitucionais, pois devem esses tributos ser manejados de forma que possibilitem a realização das atividades estatais de caráter social, interventivo no domínio econômico ou de interesse de categoria profissional ou econômica.”[4]

Ademais, além de caracterizar as contribuições por sua finalidade, o constituinte estipulou que estas deveriam servir como instrumento de atuação da União nas respectivas áreas, o que reforça a assertiva de que a correta aplicação dos recursos arrecadados é fundamental para a regular exigência desse gravame.

Sendo assim, a relação entre o Fisco e o contribuinte não se encerra com o pagamento do tributo, pois outros vínculos permanecem no sistema do direito positivo, como aquele (i) decorrente da norma de competência tributária, que obriga o legislador infraconstitucional a vincular o produto da arrecadação tributária a órgão, fundo ou despesa, visando a atingir as mencionadas finalidades; e o (ii) dever dirigido à Administração Pública, consistente em aplicar referidos recursos.

Desta maneira, caso não se concretize a destinação legal ou a destinação fática do produto arrecadado, resta violado o art. 149, caput, da Constituição, já que se estará diante de tributo instituído ou cobrado sem observância aos requisitos da finalidade e da instrumentalidade das contribuições.


[1] Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
 I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.
[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado, p. 40.
[3] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 35.

[4] TOMÉ, Fabiana Del Padre. O destino do produto da arrecadação como requisito constitucional para a instituição de contribuições, pg. 14.

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