O serviço público e as taxas
1. Conceito de Taxa
É um tributo contraprestacional de serviços
públicos ou de benefícios feitos, postos à disposição ou custeados pelo Estado,
em favor de quem paga, ou seja, o contribuinte. É cobrada pela prestação de
serviços públicos e da polícia. O valor da taxa é calculado com base no custo
do serviço prestado pelo Estado em favor do contribuinte.
De acordo com o art. 77 do CTN as taxas podem ser
cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal, e pelos os
Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições. Ou seja, as pessoas de
Direito Público não podem interferir na competência umas das outras. Por
exemplo, a União não poderá cobrar taxas que são de competência de um
Município.
As taxas podem ser: de iluminação pública, de
limpeza pública, de extinção de incêndio, de fiscalização e funcionamento e
etc. Podendo variar de localidade para localidade.
2. Serviço Público e Poder de Polícia
De acordo com Marçal Justen Filho[1] o
poder de polícia traduz-se em proibições, vedações e pode envolver a prestação
de utilidades necessárias à realização de necessidades individuais ou
coletivas. Por outro lado, a prestação de serviço público está entranhada de
poderes estatais de natureza compulsória e coativa, que implicam a restrição à
liberdade e à propriedade, no tocante à satisfação de interesses individuais ou
coletivos.
Não há necessidade de comprovação da efetiva
fiscalização para cobrança da taxa de poder de polícia, isso por força da letra
b, do inciso I, do art. 79 do CTN, conforme transcrito:
“Art.79
- Os serviços públicos a que se refere o art. 77 (taxas) consideram-se:
I
- Utilizados pelo contribuinte:
a)
efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente,
quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante
atividade administrativa em efetivo funcionamento;
II
- Específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de
intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas;
III
- Divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de
cada um dos seus usuários.” (grifei)
3. Diferença entre Taxa e Preço Púbico
A diferença entre taxa e preço público já foi
objeto da Súmula 545 do STF:
“Preços
de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente
daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização
orçamentária, em relação à lei que as instituiu.”
Necessário observar que a matéria foi sumulada em
1969, época em que ainda vigia o princípio da anualidade tributária que exigia
a previsão orçamentária do tributo no exercício anterior de sua cobrança, hoje
substituído pelo princípio da anterioridade (art. 150, III da CF).
Quanto a ADI 447, podemos extrair o seguinte
trecho:
"Taxa
e preço público diferem quanto à compulsoriedade de seu pagamento. A taxa é
cobrada em razão de uma obrigação legal enquanto o preço público é de pagamento
facultativo por quem pretende se beneficiar de um serviço prestado."
Nota-se que ADI, julgada em 1991, seguiu a mesma
linha da Súmula 545, qual seja: compulsoriedade x facultatividade.
Objetivando decifrar as diferenças entre taxa e
preço público, Sacha Calmon[2] elaborou a seguinte
tabela:
TAXA
|
PREÇO PÚBLICO
|
“Vontade legal”
|
Livre encontro das vontades (contrato)
|
Consulsoriedade
|
Facultatividade
|
Existência com a simples disponibilidade do
serviço, somente pode ser desfeita por vontade legal
|
Sempre a possibilidade do desfazimento do
pactuado
|
Valor: ex lege
|
Valor: ex contractus
|
Regido sempre pelo Direito Público
|
Possibilidade de incidência de normas de Direito
Privado conjuntamente com as de Direito Administrativo
|
Decorrente do jus imperii
|
Decorrente do jus gestionis
|
Finalidade de remunerar serviços próprios: saúde,
pública, fisco, justiça.
|
Finalidade de remunerar atividades estatais
delegáveis, ou serviços públicos impróprios
|
Quanto à remuneração pelo abastecimento de água e
esgotamento de dejetos na rede de saneamento municipal, às companhias e
autarquias de saneamento básico, o STF já sustentou o entendimento de ser de
natureza tributária, ou seja, por taxa. Observando-se que o regime jurídico
tributário positivado quanto às taxas pouco mudou entre as duas últimas
constituições.
Abaixo está um
exemplo jurisprudencial daquele momento
(Recurso Extraordinário n. 115.561/SP, Rel. Min. Carlos Madeira, Segunda Turma
do STF, DJU 22.04.1988):
“TAXA
DE CONSERVAÇÃO DAS REDES DE AGUA E ESGOTO. DISTINÇÃO ENTRE OBRA PÚBLICA E
SERVIÇO PÚBLICO. A OBRA PÚBLICA, SENDO
EXECUÇÃO MATERIAL DE UM
PROJETO, E LIMITADA NO TEMPO, ENQUANTO
O SERVIÇO PÚBLICO TEM CARÁTER DE CONTINUIDADE. A OBRA PÚBLICA
AGREGA UM VALOR AOS IMÓVEIS POR ELA BENEFICIADOS; OS SERVIÇOS PÚBLICOS,
CONQUANTO OS BENEFICIEM, NÃO PRODUZEM UMA INTEGRAÇÃO
DE
VALOR. CONSERVAÇÃO DE REDES DE ÁGUA E ESGOTO E SERVIÇO PÚBLICO, E
NÃO OBRA PÚBLICA. POR ELA, PODE O MUNICÍPIO
COBRAR TAXA, DESDE QUE, POR LEI, SEJA DEFINIDO O FATO GERADOR, FIXADAS A
ALIQUOTA E A BASE DE CALCULO. SE TAIS REQUISITOS NÃO CONSTAM DE LEI, MAS DE ATO
NORMATIVO DE AUTORIDADE MUNICIPAL, A COBRANÇA DA TAXA MALFERE O PRINCÍPIO DE LEGALIDADE.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.”
Contudo, ainda nesse tema, mesmo com poucas
mudanças legislativas no que tange a definição e a natureza jurídica das taxas
após a Constituição Federal de 1988, mas em nova conjuntura político econômica,
o STF mudou o seu entendimento sobre as questões da remuneração adequada pelos
serviços de coleta e abastecimento de água potável e coleta e esgotamento de
dejetos. Assim, é o atual entendimento de ser o preço público a forma de
retribuição adequada tais casos
(Embargos de Declaração em
Recurso Extraordinário n. 447.536/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma
do STF, DJU 26.08.2005):
“EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO OPOSTOS À DECISÃO DO RELATOR:
CONVERSÃO EM
AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO: TAXA DE ESGOTO SANITÁRIO. PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO POR CONCESSIONÁRIA.
NATUREZA JURÍDICA DE PREÇO PÚBLICO.
I.
- Embargos de declaração
opostos à decisão singular do Relator. Conversão dos embargos em agravo
regimental.
II.
- A jurisprudência do STF é no
sentido de que não se trata de tributo, mas de preço público, a cobrança a
título de água e esgoto. Precedentes.
III.
- Embargos de declaração convertidos em agravo regimental.
Não-provimento
deste. ”
Interessante é que, dentre os precedentes referidos
como basilar dessa última decisão, está citado o Recurso Extraordinário n.
54.194, da relatoria do Ministro Luís Gallotti, que já em 1963, trouxe uma
valiosa forma de separação entre taxa e preço público: em que a tecla é a
prestação estatal um serviço público ser de interesse eminentemente social ou
de interesse primordialmente particular. No caso do primeiro, a remuneração
seria de natureza tributária, já no caso do segundo, a remuneração seria de
preço público. In verbis:
“Taxa
de água e esgoto.
É
uma taxa típica, como tal apontada pela generalidade dos mestres do direito
financeiro e direito tributário; assim, sua majoração depende de lei.
Delegações
legislativas admitem em
matéria econômica (tabelamento de preços, etc.), não em
matéria tributária. A possibilidade de delegações legislativas na órbita
tributária está excluída não só pela regra contida no art. 35, § 2º da
Constituição, mas de modo especial e enfático pelo § 34 do art. 141, o qual, no
tocante aos tributos (impostos, contribuições e taxas), dispõe que nenhum será
exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça e nenhum será cobrado em cada
exército sem prévia autorização orçamentária, ressalvados apenas o
imposto por motivo de guerra e a tarifa aduaneira. Nem houve, no caso,
delegação ao Poder Executivo, pois o Dec. Lei estadual 1.413 de 13.7.1946,
intocado pelo recorrido, é anterior à Constituição de 1946 e da competência ao
Chefe do Governo, mas isso a um tempo em que o Chefe de Governo acumulava as
funções executivas e legislativas.
Diferença
entre taxas e preços contratuais de serviços públicos (tarifas).
O
problema não se modifica por se tratar de uma autarquia, porque, ao
constituí-la, o Estado personificou esse órgão da administração local, houve
uma descentralização, mas isso não se aliena o caráter público do serviço,
trata-se de órgão paraestatal, a quem o estado cede uma parte de seu imperium.
A
destinação especial, não descaracteriza conforme a terminologia alemã. O fato
de ser delegado o tributo a um serviço descentralizado, a uma autarquia, não
lhe altera a natureza.
Se
a taxa não deixa de o ser pelo fato só se tornar devida quando voluntariamente
utilizado o serviço, fôrça é concordar que, quando imposta por motivos de
interêsse público (saúde, higiene, etc.) independentemente daquela utilização,
seu caráter tributário se torna indiscutível.
Na
taxa, há um benefício especial mensurável e um interesse público predominante.
No
preço público, o pagamento é feito por um serviço ou mercadoria do govêrno, em
primeiro lugar para um benefício especial do indivíduo e secundariamente no
interesse da comunidade.
Não
há como equiparar a taxa de água e esgoto as chamadas taxas correspondentes a
utilização de aeroportos (Decreto Lei n. 9792 de 1946), que o STF considerou
preços públicos (tarifas), conforme denomina o próprio Dec. Lei em vários dos
seus preceitos.”
Mesmo que, no arresto de 1963, a remuneração pelos
serviços de abastecimento de água e esgotamento de dejetos tenha sido
considerada como taxa, o argumento da predominância do interesse foi utilizado
novamente, pelos acórdãos do STF, mais de quarenta anos depois, mas com um
prisma novo, o econômico. Assim, facilmente é percebido que esse entendimento
mais atual está altamente permeado de pressupostos da conjuntura
político-econômica atual, sendo ela a basilar para a mudança de posicionamento,
mas sob a mesma baliza jurídica a análise da preponderância entre os interesses
públicos e privados.
Contudo, em outro foco, de total confronto no caso
dos serviços de abastecimento de água tratada e esgotamento de dejetos, o Superior
Tribunal de Justiça tem o entendimento contrário, observando a impossibilidade
da formação de mercado (concorrência) e a essencialidade dos serviços.
Portanto, a remuneração deveria ter natureza tributária, vide o seguinte
arresto que lidera o entendimento nesse tribunal (Recurso Especial n.
127.960/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma do STJ, DJU 01.07.2002):
“TRIBUTÁRIO.
SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA TRIBUTÁRIA. INSCRIÇÃO DE
DÍVIDA ATIVA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. ART. 202, DO
CTN. DECADÊNCIA.
Uma
vez que a remuneração dos serviços de água e esgoto é feito por taxa, face à
obrigatoriedade da ligação domiciliar à rede pública e, tendo em vista a
natureza tributária da exação, para a constituição da dívida ativa, deve-se
obedecer aos requisitos dos arts. 201 e 202 do CTN.
-
Recurso especial improvido.”
Dessa forma, é permitido colocar que a
jurisprudência, em especial a do STF, quanto à separação de taxa e preço
público para remuneração de serviços prestados pela Administração Pública ou
seus delegatários permanece volátil.
Todavia, de qualquer forma, ficam extraídos os dois
critérios adotados pelo STF para a diferenciação:
(a) a especificidade e divisibilidade do serviço em
questão; e
(b) o balanço entre o interesse primordial da
sociedade e do particular.
Claramente fica demonstrado que segundo critério é
o de caráter mais volátil e menos objetivo, refletido em um padrão de
reconhecimento casuístico, já anotado pela doutrina.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Tipos de atividade
administrativa: limitação da autonomia privada (poder de polícia
administrativa). Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2006. p. 403-404.
[2] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários
à Constituição 1988 – Sistema Tributário. 4 ed,. Rio de Janeiro:
Forense, 1992.
Nenhum comentário:
Postar um comentário