IOF sobre mútuos e venda de direitos creditórios realizada por empresas de factoring
Conforme disposto
no artigo 2º do Decreto 6.306/07, dentre outras hipóteses, o IOF incide sobre
quaisquer operações de crédito realizadas entre pessoas jurídicas, sendo que,
segundo o artigo 3º do mesmo diploma legal, “o fato gerador do IOF é a entrega
do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à
disposição do interessado.”
Segundo artigo 3º, § 3º, operações de
crédito compreendem: (i) empréstimo sob qualquer modalidade, inclusive abertura
de crédito e desconto de títulos; (ii) alienação à empresa que exercer as
atividades de factoring, de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo;
e (iii) mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa
jurídica e pessoa física.
Deste modo, para fins de análise da
incidência ou não do IOF na operação em comento, mister se faz a análise
conceitual dos contratos de empréstimo na legislação brasileira.
A palavra empréstimos deriva do latim promutuari, que segundo De
Plácido e Silva, em sua obra Vocabulário Jurídico (Vol. II, 5ª ed, 1978, pág.
593) significa emprestar, exprimindo “(..) cedência de uma coisa ou bem, para
que outrem a use ou dela se utilize, com obrigação de restituí-la, na forma
indicada, quando a pedir o seu dono ou quando terminado o prazo de
concessão”. Percebe-se que a definição doutrinária de empréstimo não
difere da ideia que o senso comum produziu acerca do empréstimo.
O Código Civil
Brasileiro, em artigos 579 e seguintes dispõe sobre duas espécies do gênero
empréstimo: o comodato e o mútuo, conhecidos pela doutrina como empréstimo de
uso e empréstimo de consumo, respectivamente. Em outros termos, o comodato
envolve empréstimo de coisas infungíveis, ao passo que o mútuo versa sobre
coisas fungíveis, que não podem ser utilizadas sem que ocorra seu
perecimento.
Desta maneira o
contrato de mútuo enseja sim o pagamento de IOF, contudo, este tema deve ser
também objeto de planejamento tributário, uma vez que é possível
“escapar” do IOF em operações intercompany utilizando-se de um contrato de
conta corrente, ao invés de um contrato de mútuo.
Em julho de 2013 foi publicado um importante
acórdão proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais – CARF admitindo
que, em determinadas situações de movimentação de recursos entre empresas
controladas, não há o que se falar em equiparação à operação sujeita a incidência
do IOF, que assim restou ementado:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO
E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS IOF. RECURSOS DA
CONTROLADA EM CONTA DA CONTROLADORA. CONTA CORRENTE. RAZÃO DE SER DA
HOLDING. Os recursos financeiros das empresas controladas que circulam nas
contas da controladora não constituem
de forma automática a caracterização de mútuo, pois dentre as
atividades da empresa controladora de grupo econômico está a gestão de
recursos, por meio de conta corrente, não podendo o Fisco constituir uma
realidade que a lei expressamente não preveja. Recurso Voluntário Provido”
(Processo nº 11080.015070/200800, Acórdão nº 3101001.094, 1ª Câmara / 1ª Turma
Ordinária, publicado em 04/07/2013).
O caso em questão analisava a incidência do IOF
sobre os conhecidos contratos de “conta corrente”. Estes contratos são muito
comuns entre as sociedades holdings e suas controladas, já que as holdings
costumam ter como objeto social justamente a administração de conglomerados e a
participação acionária em uma ou mais empresas, detendo o controle e
administração das estratégias empresariais, gerindo o caixa do grupo.
Segundo se extrai do voto proferido pelo
conselheiro Luiz Roberto Domingo, "diferentemente do que interpretou a
fiscalização, não houve a contratação de mútuo entre a recorrente e sua
controladora, da qual é controlada, mas sim entendo ser contrato de conta
corrente pelo qual a holding administra o caixa do grupo". O direito civil
tem previsão para as duas modalidades de contrato e não cabe ao Fisco decidir
qual deles está sendo implementado no caso em apreço." Seu voto foi
seguido pela maioria.
Ainda, fundamentou no sentido de que "A
holding não serve apenas para uma empresa participar do capital de outra
sociedade, mas também suprir os recursos necessários para que controladas e
coligadas possam sobreviver". Esse tipo de operação acontece porque a
holding tem maior poder de barganha na negociação de um empréstimo, por
exemplo.
Esta decisão é um importante precedente que
demonstra que as características do contrato pactuado devem ser analisadas
detalhadamente no intuito de identificar se, no caso concreto trata-se ou não
de uma operação sujeita a tributação do IOF.
Não obstante, apesar do exposto no art. 58 da Lei
9.532/97, seguimos o entendimento do ex-ministro Sepúlveda Pertence:
...na operação de factoring o negócio mercantil consiste na compra do faturamento. Os
títulos são adquiridos sem que remanesçam, em favor do adquirente, direito de
regresso contra o sacador ou garantias inerentes ao endosso ou aval, Já na
operação financeira, quer os títulos permaneçam em caução em mão da instituição
bancária para garantia do empréstimo concedido, quer sejam objeto de desconto,
permanece a instituição com direito de regresso ou com as garantias decorrentes
do aval e do endosso contra o sacador do título, que continua responsável pela
liquidação do empréstimo tomado.
Assim, igualar instituições financeiras a
instituições de factoring é o mesmo
que equipará-las aos comerciantes, que realizam vendas a prazo, uma vez que é
nesta mesma condição que a operadora de factoring
se investe, ao adquirir o faturamento assumindo os riscos daí inerentes.
Dessa forma, resta nítido que a atividade de factoring não ostenta a mesma natureza
das atividades financeiras que compõem a materialidade do IOF, nos termos do
artigo 153, V da CF/88, a instituição do referido imposto sobre as operações
praticadas no exercício dessa atividade agride direta e ostensivamente o
referido preceito constitucional.
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